sábado, 25 de fevereiro de 2012

~ A Vista do Meu Ponto ~




Deparei-me com um fato marcante recentemente. No início do mês de agosto, em vôo da American Airlines, de São Paulo com destino à Nova York, uma cena me fez pensar sobre esse tal indivualismo humano.

O piloto do vôo Garulhos/Miami já estava taxiando e pronto para decolar, quando um garoto no meio da classe 'turística' começou a passar muito mal.

Foi, então, perguntado nos sistema de som da aeronave se havia algum médico a bordo e como ninguém se apresentou, o avião teve de retornar ao finger para o desembarque do coitado do menino. Neste interim, o que me espantou foi que ninguém estava preocupado com o menino e sim com suas respectivas conexões, bem como com os procedimentos a serem adotados no EUA.

Quando o avião chegou perto do finger, o menino mudou de assento para bem à frente da aeronave e então tive oportunidade de conversar com ele.

Ele mora no interior de São Paulo, faz parte de uma família de classe média de Ribeirão Preto e estuda administração em uma cidade americana. Até aquele momento, ninguém havia lhe oferecido um telefone celular para efetuar uma ligação para seu pai, que estava a três horas de lá. Eu, então, assim o fiz, e para minha surpresa, isso causou uma comoção na tripulação. Meu Deus do céu! O que eu fiz demais?

Eu emprestei o telefone para uma criatura necessitada ligar para sua família no interior de São Paulo, para ir buscá-lo em Guarulhos. Por fim, o menino desceu e foi acompanhado até o saguão do aeroporto para aguardar seus familiares, e eu acabei sendo presenteado com a coleção de vinhos daquela noite. Simplesmente porque eu emprestei o meu celular para o menino. No meu ponto de vista, isso não é nada, e no seu?

Quando vejo casos assim me obrigo a dizer que a sociedade atual vive uma profunda crise de identidade coletiva. Temos, hoje, pessoas cada vez mais carentes e vivendo de maneira extremamente solitária. Imagina o que se passou pela cabeça daquele menino ao ver aquela 'manada de seres humanos' pensando em seus própiros vôos e conexões, e esquecendo por completo aquela criatura que ali necessitava, talvez somente de um pouco de carinho. Mas, afinal, o que temos a ver com isso? O que eu posso fazer se eu não sou o outro? É assim que, hoje, a sociedade se comporta.

L'enfer, c'est les autres - o inferno são os outros - escreveu Jean-Paul Satre, para descrever, com essa frase, o excesso de individualismo. Ora, Satre já sabia disso e penso que devemos ver isso mais de perto e repensarmos nossos julgamentos precipitados.

O escritor José Saramago, no 'Ensaio sobre a Cegueira, publicado em 1995 - clássio várias vezes teatralizado e transformado em filme campeão de bilheteria -, explora precisamente esse contexto, numa sociedade onde a cegueira se dissemina a maneira de grande epidemia. As pessoas, isoladas pela cegueira física, ainda mais do que já o são na vida comum de nossos tempos, vão se isolando vada vez mais, liberando instintos de egoísmo e individualismo selvagens, de modo a transformar o mundo numa autêntica imagem de caos.

A descrição de Saramago fez, em sua linguagem, extremamente difícil e com pontuação peculiar, vai conduzindo o leitor de horror em horror, de abismo em abismo, levando-o a um insuportável mal-estar, o qual se acentua justamente pela consideração, sempre recordada, que naquele quadro horrível estão presentes muitos aspectos da realidade em que vivemos e os quais consideramos normais. Essa concessão ao individualismo e ao contato eventual, tem nos transformado em ogros, brutos, com sentimentos cada vez mais próximos da nulidade humana. Chorar? Virou vergonha. Ficou proibido. Que coisa impressionante! Onde iremos parar?

Ao terminar de assistir ao filme ou ler a obra de Saramago, nos sentimos um pouco menos culpados, porque, afinal, estamos todos nos bancos dos réus, pois, de uma forma ou de outra, todos carregamos na consciência o peso do individualismo exacerbado. E se não chegamos aos extremos retratados no livro de Saramago, é porque as circunstâncias não nos forçaram a tal, mas se nos forçassem, muitos deles cairiam.

Abrir a mente para ideias e visões dos outros é sempren torná-la mais fecunda, mais capaz de criar e conceber coisas novas. As mentes são como os pára-quedas e os guarda-chuvas, dizem os norte americanos: só funcionam bem quando abertos. E abrir a mente significa prestar atenção no outro.

Quanto mais nos abrirmos aos olhares dos outros, tanto mais teremos sucesso. Tanto mais ficaremos longe do quadro apocalíptico traçado por Saramago, tanto mais nos afastaremos da cegueira mental voluntária.

Olhar para o lado, perguntar o que o outro tem, como se sente, o que acha, como ele pensa, como ele enxerga determinada situação e o que ele faz para mudar determinadas coisas na vida, são ingredientes que podem refrescar a alma humana.

Vamos olhar para as necessidades humanas, meus amigos. O que importa a nossa conexão de vôo se há uma pessoa passando mal? Vamos desgrudar o olho do nosso umbigo e olhar o outro, no palco da vida onde as lágrimas brotam dos rostos dos humanos, e emoções são sentidas à flor da pele. E nossa obrigação, enquanto seres humanos, voltará à tona e nos fará participar de um mundo melhor e de construções mais positivas.

 

(Texto de Marcelo de Araújo Cansini, adaptado por Marcinha)

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